Sobre Machu Picchu e outras histórias

Há duas décadas atuando como professor de Inglês e há cinco anos no ICBEU, Paulo Miguel Chaddad de Carvalho foi um dos destaques principais do TED Eve, evento inspirado no TED Talks, que apresenta algumas palestras com o objetivo de mostrar ao público o poder de refletir, conversar e se conectar com novas ideias.

Apesar de dar aulas para seis turmas e ainda administrar o tempo com os estudos e a família, aos 43 anos anos, Paulo explica como é possível aproveitar a vida com qualidade e de um modo mais consciente.

“Tudo que eu faço é para poder ficar com minha família. Todo o sacrifício e tempo que dedico no trabalho é pelo bem da minha família. Às vezes a gente tem que fazer sacrifícios. Nem sempre é possível ir aos restaurantes, fazer viagens longas, e sim fazer viagens curtas. Tudo isso são decisões conscientes que minha esposa e eu fazemos. Esse tempo junto com a família é muito mais importante. A gente quer oferecer as melhores oportunidades aos nossos filhos mas também queremos oferecer oportunidades para que estejamos presentes na vida deles.”

Mas é claro, quando o assunto é viajar, esse professor não economiza palavras:

“Algo que acho interessante em relação à viagem é que tudo parece ser mais intenso. Uma coisa que é importante para mim em uma viagem é que você vai e volta e por isso sente que precisa viver tudo ao máximo. Essa ligação com sua pátria é importante, pois essas experiências faz a gente aprender muita coisa, ver muita coisa diferente e um espaço curto de tempo. E o tempo tem um poder de transformação em você muito forte. É bom ter esses ritmos distintos na sua vida. Você não precisa viver intensamente o tempo todo. Rotina e tranquilidade são importantes, mas esse contrastes ajudam as pessoas se desenvolverem.”

O nosso Brasil

Paulo também não esconde o gosto pelas viagens aqui mesmo no Brasil: “O Brasil em si é um país tão enorme e por isso realmente existem várias raridades. Conhecê-lo melhor é uma coisa muito bacana. São Paulo é diferente do Sul, que é diferente do Centro Oeste, que é diferente do Norte e do Nordeste. Cada região tem sua peculiaridade. E o brasileiro é um povo muito unido. Isso é muito interessante de ver. Afinal de contas, é um povo distinto por causa de todas as regiões que existem. Cada lugar do país oferece uma experiência única e ajuda a formar opiniões e atener cada vez mais o lugar onde vivemos. Abrir a mente em relação ao que que é a cultura de um país.”

Sobre viagens no exterior

“Quando eu fiz meu intercambio no Estados Unidos e que aprendi o Inglês, tive a oportunidade de viajar para o México, Europa, Inglaterra, França, Holanda… E realmente o melhor de uma viagem é você conhecer novas pessoas, culturas e perspectivas para conhecer a você mesmo e ao seu país, no sentido também de poder apreciar ou criticá-lo e depois de ter outras experiências. No entanto, sou contra essa linha de difamação de que brasileiro é preguiçoso e sempre dá um jeitinho. Acho que o brasileiro é um povo forte, resiliente e esforçado. Mas somos pessoas e não somos perfeitos. Não se deve para criticar o Brasil simplesmente por criticar. Existem coisas boas Brasil que precisam se valorizadas. E o que existe lá fora, devemos observar e o que for possível, a gente trás na bagagem para poder melhorar o nosso país. E aprimorar nós mesmmos como pessoas. Conhecer realidades distintas é algo muito forte. Pessoas que vivem outra realidade geram um impacto muito grande na sua personalidade e nas suas opiniões. Então, viajar é importante. Viajar sozinho é legal, com amigos e família também. Mas, acho que o motivo de uma viagem é aprender sempre.”

Pirâmides e Machu Pichu

“As Pirâmides do Egito está na minha lista para conhecer. Um dia espero conseguir realizar isso. No México, visitei algumas pirâmides com minha família. Foi uma experiência muito boa. Interessante ver a tecnologia dos povos antigos. Acho que a experiência mais forte foi em Machu Picchu. Foram quatro dias de caminhada de altitudes. Há, portanto, todo esse desafio físico e psicológico. Mas o legal de visitar esse tipo de ruina é quando vemos o quanto é pequena e rápida a nossa existência. Você sente esse peso do tempo. O quanto você é pequenininho na existência e na história do mundo.  É muito forte essa presença de uma história do mundo e você está lá testemunhando com seus próprios olhos. Toda essa experiência de caminhada na trilha Inca, visitando várias ruinas que resistiram ao tempo da colonização europeia é realmente muito marcante e você jamais vai esquecer. Por exemplo, chegando em Machu Picchu, você anda três dias subindo e descendo montanhas, falta de ar e no ultimo dia que você está pra alcançar Machu Picchu, tem um mirante que você vê toda a cidade à distancia. Só que nesse dia, estava tudo encoberto, mas quando o guia disse que havíamos chegado em Machu Picchu,  um vento soprou e limpou toda a montanha. Você vê toda aquela magnífica cidade. Todas aquelas ruinas preservadas e aquele chão verde aparece para convidá-lo. Eu agradeci por estar ali e testemunhar tudo isso”

O poder das palavras

Em sua palestra, o professor Paulo reforça o poder das palavras. Segundo ele, as historias fazem parte de algo primordial do ser humano, desde quando ele conseguiu se comunicar. “Contar histórias é místico e mágico por si só, é um momento de ligação e de união com as pessoas. Faz parte da essência do ser humano, independente da cultura. O contar historias tem que ser cultivado, preservado, valorizado. É algo que os pais fazem para os filhos e eles escutam e criam vínculos para a vida toda.”

Leitor assumido de clássicos como Moby Dick, Drácula, Frankenstein, Corcunda de Notredame, entre outros, justifica sua paixão pelos livros: “É engraçado, parece que o livro cruza seu caminho. Primeiro que na livraria a experiência sempre é muito boa. É muito bom ficar viajando no meio dos livros e de repente parece que ele pula na sua frente e fala “é para você me ler”.

Entre os autores favoritos, Paulo não esconde a sua preferência por Tolkin, autor da obra literária “O Senhor Dos Anéis”. “Tolkien é um escritor que ama as palavras. Ele não produz de forma leviana. Cada palavra foi escrita intencionalmente. Então é um prazer de ler.”

Algumas histórias

Veja o vídeo ou leia abaixo a palestra do dia 6 de dezembro de 2019, realizada no ICBEU Centro Binacional reconhecido oficialmente pela Embaixada dos Estados Unidos:

Como eu disse estou muito feliz de estar aqui

Eu sou um grande entusiasta do TED

Sempre que possível utilizo nas minhas aulas, sugiro para meus alunos, comento com minha família e amigos

Eu sempre imaginei se algum dia eu teria oportunidade de apresentar uma ideia que ajudaria as pessoas a mudarem a percepção do mundo

Quando esse evento aqui começou a tomar forma, eu percebi que essa aqui seria a oportunidade perfeita para contar uma história

Quando eu era criança, sabe qual era o meu brinquedo favorito? Fogo.

Meus carrinhos não só apostavam corrida, mas eles pulavam rampas de fogo.

Na casa da minha avó tinha a casinha de boneca e tinha a casinha do Tarzã.

Do lado de fora da casinha de boneca tinha um fogão a lenha de verdade, onde nas manhãs frias a gente acendia o fogo, esquentava a água e fazia chá de erva cidreira que vinha direto da horta da minha avó.

O chá era só uma desculpa para poder brincar com fogo.

A casa do Tarzã era construída ao redor de uma frondosa mangueira.

Em um dos galhos tinha uma corda amarrada que funcionava como cipó para os netos se balançarem. Mas para moleque, balançar não é o suficiente.

Então um dia um sugeri: Vamos balançar em cima do fogo?

A gente fez uma cama de jornal que se transformou em um escaldante rio de lava.

Logo na minha primeira tentativa a corda passou varrendo todos os jornais que saíram voando e abraçaram meu primo mais novo que assistia tudo um pouquinho mais afastado só para ficar seguro.

Conseguimos apagar meu primo rapidamente.

Ele nem se queimou. Nem o chinelo cantou.

Quando eu conto essas histórias para minha esposa, ela fica de cabelo em pé, só de imaginar o que os nossos filhos Zeca e João vão aprontar quando entrarem na fase pirotécnica.

Há alguns anos atrás, nas férias de julho, eu fiz minha primeira fogueira com minha filha. A Sofia.

Comemos pipoca, procuramos estrelas cadentes.

Naquela noite, a Sofia falou: O pai, conta uma história?

A Sofia, sempre gostou de histórias. Ela adora quando lemos juntos. Ela vive as histórias dela.

Mas naquela noite, ela falou: O pai, conta uma história sua?

Naquele instante nasceu uma tradição familiar. Contar histórias, em volta da fogueira.

Uma história após a outra, parecia que a Sofia iria explodir de tanto dar risada. Conta mais uma!

Eu já contei a história da onça. Conta mais uma!

Eu já contei quando eu e a mamãe atolamos o bugue? Conta mais uma?

Eu já contei quando eu e o vovô roubamos um pinheiro de Natal?

Desde aquela noite a gente mal pode esperar para acender a fogueira e contar nossas histórias.

As histórias, desde essa noite, as histórias fazem parte da nossa vida. A gente não espera mais pelos momentos especiais para contar essas histórias. As histórias tornam os momentos especiais.

Quando você conta sua história. Você se transforma em um livro. Um livro é mais do que um registro de um relato. É um convite para um novo mundo. Quando você conta suas histórias, você está convidando as pessoas para dentro do seu mundo. Esse mundo é mágico.

Pode parecer exagero, mas quem defende essa ideia é o autor do Senhor dos Anéis, J. R. R. Tolkien.

Para ele a magia das histórias e do mundo está na nossa capacidade de ver o fantástico nas coisas reais.

Fogo é uma coisa mágica. O fogo pode voar.

As histórias nos dão asas.

O fogo é capaz de criar.

As histórias nos transformam.

O fogo machuca.

As histórias nos fazem chorar.

O fogo aquece.

As histórias nos confortam.

Não vivemos num mundo de fadas. Nós devemos observar onde está a magia do mundo. Onde está a magia do mundo. Está no nascimento do seu filho, da sua filha?

Está naquela receita especial que só a sua vó sabe preparar? Está naquela sensação de satisfação de quando você ajuda uma pessoa, simplesmente ouvindo seus problemas?

Está naquela experiência que transforma? Por isso, não espero pela noite da fogueira.

Pequenas histórias do dia-a-dia, são fantásticas. 

Convide as pessoas ao seu redor para dentro do seu mundo.

Então, da próxima vez, quando você tiver que ir para o trabalho logo cedo, pergunte-se:

Será que você precisa escutar aquele noticiário que vai te deixar deprimido o resto do dia?

Ou você pode contar aquela história de como era ir para escola de bicicleta.

Quando você chega em casa, cansado no fim do dia. Será que assistir aquele mesmo jogo de futebol vai te ajudar a relaxar?

Ou você pode contar a história de quando o seu gol fez o seu time ser o campeão da rua.

Será que durante o jantar o celular precisa fazer parte da conversa?

Ou você pode contar aquela história de quando você tentou fritar uma porção de bolinho caipira e eles se transformaram em uma fogueira bem no meio da sua cozinha.

É, essa história é verdadeira.

Para terminar, eu gostaria de contar mais uma história.

Há um tempo atrás, a gente estava indo para São Luiz do Paraitinga.

A viagem não é muito longa, mas o dia estava quente. As crianças passavam mal, por causa das curvas, me obrigando a dirigir bem devagar. São Luiz, nunca esteve tão longe.

Então a Sofia falou: O pai, conta uma história?

Eu contei para ela de uma atividade que a gente fez em sala de aula. Eu pedi para meus alunos, escolherem um texto e eles deveriam gravar um áudio com a sua melhor interpretação.

Uma de minhas alunas fez uma linda interpretação de um trecho do livro The Glass Castle, da jornalista Jeannette Walls.

O relato foi o seguinte: Nascida em uma família muito pobre, os pais não permitiam que os filhos acreditassem em papai Noel, pois não tinham dinheiro para comprar presentes caros.

Certo ano, o pai desempregado, levou a família, na véspera de Natal para observar as estrelas no céu do deserto.

As estrelas seriam os seus presentes. O pai explicava a história de cada uma delas.

No fim da noite, quando toda a família já dava risada das pessoas que ficam ganhando plástico barato de natal, o pai disse:

Ano mais tarde, quando toda essa tranqueira que eles ganham de Natal, já tiverem se quebrado ou tiverem sido esquecidas, vocês sempre terão suas estrelas.

A história gerou reação distinta do meu público.

Minha esposa chorava no banco de passageiro. Os meninos dormiam. Mas a Sofia, ficou estranhamente calada.

Dias mais tarde, quando eu dirigia a Sofia para a aula de teatro, ela começou a fazer a lista de Natal dela:

Eu quero a casa da Polly, eu quero a cozinha da Polly, eu quero o carro da Polly, eu quero uma Lou…

Eu já estava pensando como é que eu iria convencer a Sofia a escolher apenas um desses presentes e em quantas vezes teria de ser parcelado no cartão de crédito.

Então a Sofia perguntou: O pai, eu posso pedir tudo isso de Natal?

Eu falei, filha, você pode. Mas o que você prefere. Ter um monte de plástico ou ter as estrelas.

Sem olhar para trás, eu notei na voz da Sofia, o instante que ela percebeu que tinha entendido a história, quando ela respondeu:

Eu prefiro ver as estrelas.


Fonte: Jornalismo Colaborativo

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