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O Frade e a Freira

Frade e Freira é o conjunto de dois rochedos, que se defrontam, num mesmo alcantil, como se fossem esculturas, de determinado plano, para representar as figuras de um monge e uma devota. Esta envolta num manto, em atitude contrita. Maravilhosa disposição da natureza! Encontra-se na estrada de rodagem “Vitória ao Rio de Janeiro”, nos limites dos municípios de Rio Novo e Cachoeiro do Itapemirim, ponto de deslumbrante paisagem!

Sempre imaginoso, o povo batizou aquela beleza natural: Frade e Freira, e celebrizou o granito, numa das lendas mais belas e expressivos da terra capixaba. Lenda de amor cruciante e silencioso de uma silvícola. Lenda que, na verdade, é esta, agora descrita.

 

 

Gira em torno de uma indiazinha e um missionário, com a maior pureza de sentimentos. Mesmo porque, somente no século XX chegaram as religiosas para o Espírito Santo — as Irmãs de Caridade, em Vitória. E os frades, no século XVI — os franciscanos, que se instalaram, igualmente na capital. Uma lenda não pode incidir num anacronismo. Nem discrepar da história.

Vejamos: Encontram-se dois seres humanos, quando as matas cobriam ainda com toda exuberância, o solo da Capitania. Ele, no vigor da juventude, para voltar-se, fervoroso à catequese dos silvícolas, certa vez, na beleza e inocência de uma goitacá, descobriu o sentido da vida, que se irradiava de um olhar apaixonado! Algo estranho os conduz a descerem às praias de Benevente. Andaram, até as brenhas do futuro Rio Novo. Sobem… Ele descreve e exalta as verdades evangélicas e a grandeza do amor divino. Ela coberta com um manto, parecias as figuras da Virgem, vistas na igreja. Apaixonada, crente na força de Tupã, arrasta-o naturalmente à contemplação do ocaso, do belo, descortinado além, do alto do monte. Incapaz de compreendê-lo, (ora… Deseja que ali permaneçam, longe, bem longe das criaturas!) Guerra a plenitude ao amor! Ajoelha-se! Então, forte, curvado, perante o dever, o missionário procura abençoá-la e erguê-la para retornarem o caminho da aldeia. Sentem, porém, um fragor, na montanha. Ela exclama: — Tupã!

E, ali, permanecem soterrados. No decorrer do tempo, à mexida que se erguiam, misteriosas, no cimo do monte, as esculturas de granito, foram morrendo as árvores, que deixavam, descobertos, dois bustos simbólicos naturais, decantados, posteriormente pelos vates capixabas, fixados pelos artistas e admirados pelos que transitam, na estrada de Cachoeiro de Itapemirim ao Rio Novo.

É um quadro grandioso quando o sol doura a figura do Frade ou na fúria das tempestades, a fronte do rochedo surge iluminada, pelos clarões do relâmpago. A chuva parece aumentar a tristeza da Freira!

Na atitude piedosa de quem reza, / E como que num hábito embuçado, / Pôs naquele recanto a natureza / A figura de um frade recurvado. /§/ E sob um negro manto de tristeza / Vê-se uma freira tímida a seu lado, / Que vive ali rezando, com certeza, / Uma oração de amor e de pecado… /§/ Diz a lenda – uma lenda que espalharam – / Que aqui, dentre os antigos habitantes, / Houve um frade e uma freira que se amaram… /§/ Mas que Deus os perdoou lá do infinito, / E eternizou o amor dos dois amantes / Nessas duas montanhas de granito

A lenda do Frade e a Freira, por José Augusto Carvalho

“O FRADE E A FREIRA”, formação granítica gigantesca natural de 683 metros de altitude na divisa de Cachoeiro de Itapemirim com Rio Novo do Sul e Itapemirim, próximo a BR 101. São duas montanhas geminadas que formam as figuras de um Frade e uma Freira como que esculpidas em granito. Esta é uma das escaladas mais tradicionais do Espírito Santo. A escalada dura 60 minutos e é acessível a qualquer pessoa. O final é no topo do Frade. Lá no alto, em meio à vegetação rasteira e ao assobio dos pássaros, dá para apreciar o mar e as cordilheiras do Caparaó. Os alpinistas saem dali para um rappel de 300 metros até o “colo” da Freira. Para fazer passeios é só agendar através dos telefones (28) 5511-0443 ou 9884-2020. O local deu origem a uma bonita lenda, que vale a pena conhecer: Conta a lenda que há muitos anos atrás um padre apaixonou-se por uma freira. Como o amor entre eles era impossível, foram transformados em pedra para que esse amor fosse eternizado. Mas, há discrepâncias sobre a lenda. Confira no texto de José Augusto Carvalho: Em 1938, no livro de edição particular, Escada da vida, o poeta cachoeirense Benjamin Silva inseriu um soneto em que conta a versão mais difundida da lenda.

Em 1968, Maria Stella de Novaes publicou um livro de 163 páginas intitulado Lendas Capixabas, pela FTD, em que contesta essa versão eternizada por Benjamin Silva, sob a alegação de que as freiras só chegaram ao Espírito Santo no início do século XX, e que “Uma lenda não pode incidir num anacronismo. Nem discrepar da História”.

Rodrigo Campaneli, em 2004, publicou um livro com o título As mais belas lendas capixabas, editado em Vitória pela Casa de Artes Campaneli Ltda. A primeira lenda que ele reconta intitula-se O Frade e a Índia, em que substitui a figura da freira pela de uma indiazinha, sob a mesma alegação de Maria Stella de Novaes de que a lenda não pode discrepar da História e de que não havia freiras aqui no séc. XVII. No entanto, uma lenda pode dar-se o luxo de falsear a história.
A Canção de Roland, por exemplo, é uma lenda. No entanto, Carlos Magno é, na gesta francesa, imperador da França, usava barba e era um velho de quase duzentos anos.

Em primeiro lugar, à época em que se desenrola a cena da batalha de Roncevaux (Roncesvales), Carlos Magno ainda não era imperador. Só o seria vinte e dois anos depois.

Em segundo lugar, Carlos Magno nunca foi imperador da França, porque a França ainda não existia, no século VIII, como nação. Em terceiro lugar, à época de Roland não se usava barba, mas apenas bigode. A barba longa era moda do século XII, século em que a canção foi escrita. Em quarto lugar, Carlos Magno não atingiu os duzentos anos. À data da batalha de Roncesvales, Carlos Magno tinha pouco mais de trinta anos. Uma lenda, portanto, pode ter anacronismos.
Finalmente, com relação a discrepar dos acontecimentos reais, a Canção de Roland também falseia a História. A batalha em que Roland pereceu não era contra os mouros (que o poeta da canção chama, falsamente, de idólatras), mas contra montanheses bascos.

Assim, ao contrário do que pretenderam Maria Stella de Novaes e Rodrigo Campaneli, uma lenda pode apresentar tanto anacronismos quanto discrepâncias históricas. O fato de uma índia usar um manta, segundo a versão desses dois autores, parece-me mais discrepância histórica do que a que foi apontada na versão de Benjamin Silva. Que importa na ficção a realidade histórica?

A versão que deu nome às montanhas (o amor entre um frade e uma freira eternizado em granito pelo perdão divino) é muito mais poética e muito mais bonita. Por que destruí-la?

Fontes: Jornalismo Colaborativo

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